quinta-feira, 30 de agosto de 2012

ORAÇÃO DO PERDÃO (O ALEPH)

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

– Lembre-se do Aleph. Lembre-se do que sentiu naquele momento. Palavras, explicações e perguntas não vão servir para nada, apenas para confundir mais o que já é bastante complexo. Simplesmente me perdoe. 

– Não sei por que preciso perdoar o homem que amo. 

Hilal procura inspiração nas paredes douradas, nas colunas, nas pessoas que estão entrando àquela hora da manhã, nas chamas das velas acesas. 



– A menina perdoa. Não porque virou santa, mas porque já não aguenta mais carregar este ódio. Odiar cansa. 

Não, não era aquilo que eu esperava.

– Perdoe tudo e todos, mas me perdoe – peço. – Inclua-me no seu perdão. 

– Eu perdoo tudo e todos, inclusive você. Perdoo porque eu amo você e porque você não me ama. Perdoo porque você me rejeita e o meu poder se perde. 

Ela fecha os olhos e levanta as mãos para o teto. 

– Eu me liberto do ódio por meio do perdão e do amor. Entendo que o sofrimento, quando não pode ser evitado, está aqui para me fazer avançar em direção à glória. 

Hilal fala baixo, mas a acústica da igreja é tão perfeita que tudo o que diz parece ecoar pelos quatro cantos. Ela está em transe mediúnico. 

– As lágrimas que me fizeram verter, eu perdoo. 
As dores e as decepções, eu perdoo. 
As traições e mentiras, eu perdoo. 
As calúnias e as intrigas, eu perdoo. 
O ódio e a perseguição, eu perdoo. 
Os golpes que me feriram, eu perdoo. 
Os sonhos destruídos, eu perdoo. 
As esperanças mortas, eu perdoo. 
O desamor e o ciúme, eu perdoo. 
A indiferença e a má vontade, eu perdoo. 
A injustiça em nome da justiça, eu perdoo. 
A cólera e os maus-tratos, eu perdoo. 
A negligência e o esquecimento, eu perdoo. 
O mundo, com todo o seu mal, eu perdoo. 

Ela abaixa os braços, abre os olhos e coloca as mãos no rosto. Eu me aproximo para abraçá-la, mas ela faz um sinal com as mãos: – Não terminei ainda. 

Torna a fechar os olhos e olhar para cima. 

– Eu perdoo também a mim mesma. Que os infortúnios do passado não sejam mais um peso em meu coração. No lugar da mágoa e do ressentimento, coloco a compreensão e o entendimento. No lugar da revolta, coloco a música que sai do meu violino. No lugar da dor, coloco o esquecimento. No lugar da vingança, coloco a vitória. 

Serei naturalmente capaz de amar acima de todo desamor, 
De doar mesmo que despossuída de tudo, 
De trabalhar alegremente mesmo que em meio a todos os impedimentos, 
De estender a mão ainda que em mais completa solidão e abandono, 
De secar lágrimas ainda que aos prantos, 
De acreditar mesmo que desacreditada. 

Ela abre os olhos, coloca as mãos na minha cabeça e diz com toda a autoridade que vem do Alto: – Assim seja. Assim será.

[Paulo Coelho, trecho de O Aleph]


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