sábado, 24 de novembro de 2012

O SPAM VEIO DE CASA

sábado, 24 de novembro de 2012
[arte de Franz Falckenhaus]

Os meios não justificam o fim. Por mais que se convencione que o amor não tem regras, o amor tem legislação. O corpo tem legislação. As regras não são imutáveis, mas precisam ser respeitadas em comum acordo.

Conheço vários casamentos que terminaram na caixa de correio eletrônico. Não estou falando de um e-mail desaforado ou de um fora virtual, uma esmola diante da possível falência provocada pela indiscrição matrimonial.

Desconfiados de infidelidade, mulheres e homens logo violam os computadores de seus parceiros e devassam a correspondência de e-mails. É mais agressivo do que mexer nos bolsos e na bolsa. É mais agressivo do que conferir o boleto do cartão de crédito e a conta do celular.

Óbvio que alguma coisa será encontrada entre o destinatário e o remetente. Algo que desconhecem do marido ou da esposa. Podem achar mensagens excessivamente carinhosas, ou não compreender o súbito interesse por cavalos crioulos. Haverá textos cifrados, passíveis para qualquer contexto, do motel ao escritório.

O que entender? O pior, sempre. A paranóia não procura boas notícias.

Quando se mexe numa caixa postal, o detetive doméstico ou o hacker amoroso tem certeza da traição. Procura apenas comprovar, para chafurdar o passado e reconstituir os últimos meses. Ele não está questionando, está julgando e elaborando a sentença. Como não deseja ser o último a descobrir o caso, elimina o pudor e quebra a etiqueta do convívio e da amizade.

Tomados de vergonha, ele e ela não contarão que invadiram. Começarão a perguntar - de modo inofensivo - sobre alguma pessoa. Toda resposta formal a respeito do assunto desagradará. "Ela é legal" e "ele é um grande amigo" não servem. Inicia-se uma pressão por detalhes em que o interlocutor não entende absolutamente nada - porque não sonha com a possibilidade de que seu e-mail particular virou uma biblioteca pública.

Quando se entra numa caixa postal que não é nossa, a infidelidade já aconteceu. Não adianta fundamentar a insanidade do ato porque foram encontradas provas verídicas de infidelidade. A consequência da busca e da apreensão não elimina o constrangimento. Não apaga a sensação de furto. O marido ou a esposa podem ter sido covardes de não contar o que estavam fazendo. Podem ser covardes pelas traições sigilosas.

Mas mexer na caixa postal dele ou dela é frequentar o mesmo patamar de covardia. É arrebentar o laço de confiança.

O fio ficará curto para um outro nó.


[Fabrício Carpinejar, crônica do livro Canalha!, Editora Bertrand Brasil]

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