[arte de Edgar Degas]
Felizes são os pais. Insones, madrugadores, boêmios do leite quente dos filhos.
Felizes são os pais que não amam por amar; amam com violência e vontade, vencendo o cansaço, o sono e as dificuldades de estarem sozinhos.Felizes são os pais sempre interrompidos pelos filhos pequenos bem na hora em que a preliminar aqueceu.
Felizes são os pais que insistem em recomeçar, quando a maioria das pessoas dormiria e desistiria.
Felizes são os pais quando a criança bate à porta e atendem com generosidade e disposição.
Felizes são os pais que chegam a rir da visita inesperada.
Felizes são os pais que têm humor e não são incomodados pela vida.
Felizes são os pais capazes de transas mais longas do que os apaixonados, em capítulos e com intervalos para comentários.
Felizes são os pais que acumulam tesão e não deixam nenhuma região da pele sem a cortesia do beijo.
Felizes são os pais que pintam a nudez com quatro mãos.
Felizes são os pais que colocam a tevê alto para despistar e abafam os gemidos.
Felizes são os pais que descobrem os pontos de maior prazer pela mímica.
Felizes são os pais que tapam a boca um do outro como um ladrão, para que a alegria não fuja do corpo.
Felizes são os pais que estremecem a cama e as paredes em pequenos abalos sísmicos.
Felizes são os pais obrigados a fingir os olhos fechados para liberar a casa.
Felizes são os pais com segredos de toques e carícias, sinais e acenos clandestinos, que apenas os dois entendem.
Felizes são os pais que afastam os medos, pesadelos e fantasmas de seus pequenos com histórias da infância.
Felizes são os pais que não desperdiçam a sensualidade ao mudar de assunto e reservam confidências selvagens para a concha dos ouvidos.
Felizes são os pais com corredores compridos para ganhar tempo de se recompor.
Felizes são os pais que dormem nus e se deliciam com o esbarrão no escuro.
Felizes são os pais que acampam em sua própria cama, com lençóis levantados.
Felizes são os pais que arrumam as desculpas estranhas para explicar aos filhos o que estão fazendo.
Felizes são os pais que vigiam sua felicidade e se previnem de gentilezas.
Felizes são os pais sem pudor de lamber, chupar, morder, arranhar, provocar a carne para que cresça nas palavras.
Felizes são os pais que não diminuíram suas fantasias pelas responsabilidades assumidas.
Felizes são os pais que não assassinaram o amor pelo hábito de acordar junto, que reabilitaram o amor pelo hábito de esperar para dormir junto.
Felizes são os pais.
[Fabrício Carpinejar, crônica 'Sexo depois dos filhos' do livro Canalha!, Editora Bertrand Brasil]
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Olá Gislene
Volto e leio um texto tão forte como este, embora em alguma afirmativas, me atrevo a discordar do grande Carpinejar.
Tenha uma linda semana
Bjux
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