sexta-feira, 23 de outubro de 2009

APRENDER COM A...SAUDADE

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

(Depoimento emocionante...)
Médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional, com toda vivência e experiência que o exercício da medicina nos traz, posso afirmar que cresci e me modifiquei com os dramas vivenciados pelos meus pacientes.
Dizem que a dor é quem ensina a gemer. Não conhecemos nossa verdadeira dimensão, até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais além. Descobrimos uma força mágica que nos ergue, nos anima, e não raro, nos descobrimos confortando aqueles que vieram para nos confortar.
Um dia, um anjo passou por mim... No início da minha vida profissional, senti-me atraído em tratar crianças, me entusiasmei com a oncologia infantil. Tinha, e tenho ainda hoje, um carinho muito grande por crianças. Elas nos enternecem e nos surpreendem como suas maneiras simples e diretas de ver o mundo, sem meias verdades.
Nós médicos somos treinados para nos sentirmos "deuses". Só que não o somos! Não acho o sentimento de onipotência de todo ruim, se bem dosado. É este sentimento que nos impulsiona, que nos ajuda a vencer desafios, a se rebelar contra a morte e a tentar ir sempre mais além.
Se mal dosado, porém, este sentimento será de arrogância e prepotência, o que não é bom. Quando perdemos um paciente, voltamos à planície, experimentamos o fracasso e os limites que a ciência nos impõe e entendemos que não somos deuses. Somos forçados a reconhecer nossos limites!
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional. Nesse hospital, comecei a freqüentar a enfermaria infantil, e a me apaixonar pela oncopediatria. Mas também comecei a vivenciar os dramas dos meus pacientes, particularmente os das crianças, que via como vítimas inocentes desta terrível doença que é o câncer. Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento destas crianças. Até o dia em que um anjo passou por mim.
Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada porém por 2 longos anos de tratamentos os mais diversos, hospitais, exames, manipulações, injeções, e todos os desconfortos trazidos pelos programas de quimioterapias e radioterapia. Mas nunca vi meu anjo fraquejar. Já a vi chorar sim, muitas vezes, mas não via fraqueza em seu choro.
Via medo em seus olhinhos algumas vezes, e isto é humano! Mas via confiança e determinação. Ela entregava o bracinho à enfermeira, e com uma lágrima nos olhos dizia: faça tia, é preciso para eu ficar boa.
Um dia, cheguei ao hospital de manhã cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. E comecei a ouvir uma resposta que ainda hoje não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
Meu anjo respondeu: - Tio, disse-me ela, às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores. Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade de mim. Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!
Pensando no que a morte representava para crianças, que assistem seus heróis morrerem e ressuscitarem nos seriados e filmes, indaguei:
- E o que morte representa para você, minha querida? - Olha tio, quando agente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e no outro dia acordamos no nosso quarto, em nossa própria cama não é?
(Lembrei minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, costumavam dormir no meu quarto e após dormirem eu procedia exatamente assim.) - É isso mesmo, e então? - Vou explicar o que acontece, continuou ela: Quando nós dormimos, nosso pai vem e nos leva nos braços para o nosso quarto, para nossa cama, não é? - É isso mesmo querida, você é muito esperta! - Olha tio, eu não nasci para esta vida! Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei "entupigaitado". Boquiaberto, não sabia o que dizer. Chocado com o pensamento deste anjinho, com a maturidade que o sofrimento acelerou, com a visão e grande espiritualidade desta criança, fiquei parado, sem ação.
- E minha mãe vai ficar com muitas saudades minha, emendou ela. Emocionado, travado na garganta, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei ao meu anjo:
- E o que saudade significa para você, minha querida? - Não sabe não tio? Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um dar uma definição melhor, mais direta e mais simples para a palavra saudade: é o amor que fica!
Um anjo passou por mim... Foi enviado para me dizer que existe muito mais entre o céu e a terra, do que nos permitimos enxergar. Que geralmente, absolutilizamos tudo que é relativo (carros novos, casas, roupas de grife, jóias) enquanto relativizamos a única coisa absoluta que temos, nossa transcendência.
Meu anjinho já se foi, há longos anos. Mas me deixou uma grande lição, vindo de alguém que jamais pensei, por ser criança e portadora de grave doença, e a quem nunca mais esqueci,deixou uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Hoje, quando a noite chega e o céu está limpo, vejo uma linda estrela a quem chamo "meu anjo, que brilha e resplandece no céu". Imagino ser ela, fulgurante em sua nova e eterna casa. Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que ensinastes, pela ajuda que me destes. Que bom que existe saudades! O amor que ficou é eterno.


[Artigo do Dr. Rogério Brandão, médico oncologista, Recife, Boa Vista / Brasil]


...Sem palavras...

9 bilhetes:

Elizabeth disse...

Olá Gislene,
Tive que tirar a musica, senão...
Maravilhoso texto, se todos os médicos soubessem como é divino servir.

Eu nunca fiz scrapps, mas adoro todo tipo de artesanato, posta alguns trabalhos para nós aprendermos.
Abraços.

Cristina e Márcia disse...

Que coisa Gislene! Que lição de vida impressionante dada por um anjinho. Deus nos dá sabedoria e entendimento para suportarmos o sofrimento. Precisamos é aprender o que é sofrimento de fato.

Nós postamos o desafio em outro blog, nos "Sonhos Secretos", mas já tiramos, acho q vc não viu. Mas fizemos, Ok?

Beijos pra vc!!!
Marcia

Gislene disse...

OI, MÁRCIA!
QUE PENINHA EU NÃO VI... MÁS, VALEU A INTENÇÃO!
BEIJOS.

Anônimo disse...

Que lindo esse texto.
Estou toda arrepiada.

É incrível quanto o sofrimento nos faz crescer.
Nos surpreendemos com quem menos imaginamos (às vezes)...

Quanto a te seguir...

Nos desculpa Gi!!!
Na verdade, somos blogueiros de primeira viagem. Tem um monte de gente que acompanhamos, mas não seguimos... entende??

Adicionar e seguir... pensamos que dava no mesmo.

Agora sim, somos seus fieis seguidores.

Abraço forte!

Gianete Pereira disse...

Gislene, como vai? Estou te repassando um selo que está no Espírito Azul com o objetivo de sempre estarmos unidos num só coração. Abraço grande!

Teresa disse...

Ola!Gislene
amiga, quanta sabedoria e amor nesta matéria, Parabéns por trazer para suas amigas.
Bjos no coração e excelente final de semana
Teresa Grazioli

Teresa disse...

Ola!Gislene
amiga, quanta sabedoria e amor foi dito nesta matéria. Parabéns por edita-la
Bjos e excelente final de semana
Teresa Grazioli

lis disse...

Oi,Gislene,
Emociona esse texto, de verdade.
Uma vida ainda florescendo e tão madura , só pode mesmo ser um anjo .
Vida de médico é dificil, agora imagina lidar com crianças e ve-las sofrer, ainda encontramos médicos que se emocionam assim. Bonito!
Abrços ,amiga , e obrigada pela sua linda presença e comentários. Te espero,sempre.

soninha disse...

Um texto maravilhoso que deveria ser lido por todos,principalmente pelos médicos e profissionais da saúde.
Que bom que existem pessoas capazes de escutar uma criança e refletir nas suas palavras. bjs

 
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