[René Magritte, Shell in the Form of an Ear, 1956]
Uma senhora bem simples rodou e rodou a vitrine de uma loja, até que entrou. Pediu para "experimentar" um radinho de pilha. "Posso testar?"
A atendente pensou que era para ligar o rádio. Mas testar era colocar o aparelho nos ombros, para ver se pousava bem nos ouvidos. Mexeu-se muito até que encontrou uma posição confortável para o radinho. E amansou os olhos por alguns minutos como se ouvisse uma estação. Cerrou os olhos e rebolou o queixo devagar. Juro que ouvi a música que não existia, apenas acompanhando seu rosto.
A atendente irritou-se com a demora e perguntou se ela levaria o produto. "Vai pagar com cartão de crédito?" Ela respondeu que "mais ou menos" e saiu.
Não gosto de chamá-la de senhora. Vou chamá-la de Vanessa. Vanessa experimentou o rádio como quem estava se vestindo, como quem prova comida, como quem testa um travesseiro ao dormir. Ela colocou seus longos cabelos de trigo ao lado para calçar o som. Abençoou a rua do seu pescoço. Como uma rosa que não se apequena com a água entre as pétalas. A água, uma pétala que não murcha.
Não temos mais paciência para experimentar um amor. Colocar as roupas antes de tirar. Dentro da gente, há sempre uma pressa que aponta: "Vai levar?"
Há sempre alguém que acelera o relacionamento. Que agride antes de compreender, que julga antes de conviver. O amor não é suspeita, é superar a desconfiança. Todos se conhecem sem ao menos pedir permissão para entrar, licença para sentar e puxar a cadeira. Como se soasse um zumbido de "agora ou nunca?"
Queremos um amor rápido, não um amor constante, não um amor com as medidas do corpo. Ou com as medidas da voz nos ouvidos, que não seja largo demais nos ombros, nem pesado demais para carregar de um lado para o outro da casa. Como o rádio de Vanessa.
[Fabrício Carpinejar, crônica do livro Canalha!, 2007, Editora Bertrand Brasil]
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