quinta-feira, 4 de agosto de 2011

AO AMIGO ROLANDO PALMA

quinta-feira, 4 de agosto de 2011


E assim, mais um amigo se vai.
Mais uma vítima da violência.


Rolando Palma era escritor.
Um especial escritor.
Fazia malabarismo com as palavras e o resultado -  lindos contos, contos que nos faziam refletir, nos faziam sorrir, nos emocionavam e exploravam o que há de melhor em cada um de nós.


Um dia ele escreveu assim para mim:

Contagiar é preciso




Era uma vez uma menina, de olhos negros e longas tranças no cabelo.
Como todas as meninas, gostava de brincar com bonecas, em castelos e contos de fadas, inventando príncipes e princesas, reinos de magia, bolas de algodão doce e céus azuis pejados de arco-iris.
A infância era feliz.
Todas as infâncias deveriam ser assim, felizes.
Com tempo para brincadeiras, correrias nos pátios da escola, sorrisos abertos.
Aquela menina possuía no entanto… um dom especial.
No recanto seguro do seu quarto, pintava pedras.
Grandes, pequenas, de todas as formas e feitios. Aprendera a gostar das pedras, tal como aprendera a gostar de pintar, observando a mãe, quando esta se perdia no jardim, falando com as flores.
Como era linda, a sua mãe.
E como gostava de a desenhar, de memória, de olhos fechados, rabiscando na folha de papel os traços meigos do seu rosto.
Naquele momento, as suas mãos seguravam duas pequenas pedras, estranhamente iguais a dois corações. Encontrara-as à beira do rio, encostadas uma à outra.
Quando reparou nelas, foi como se um vento súbito lhe varresse a alma de uma cor límpida, como se de repente a primavera tivesse entrado sem pedir licença a ninguém. Apanhou-as, cheia de cuidado.
Agora… agora as duas pequenas pedras, os dois pequenos corações fitavam-na, pousados sobre a mesa de madeira do quarto, a tinta vermelha ainda por secar, brilhantes.
Uma seria para si.
Guardá-la-ia sempre junto ao coração.
A outra… sempre tivera um destino certo para ela…
Pouco depois, descia as escadas a correr, um embrulho a chocalhar com uma pequena pedra colorida dentro, um vistoso laço vermelho por fora.
- Mãe…. Mãe… - ia gritando - onde estás? Tenho aqui uma prenda para ti… onde estás?


Nota: Para a Gislene, uma daquelas raras pessoas que sabe contagiar os outros.

E o que fica... é a amizade, a saudade e suas últimas palavras que me foram endereçadas:


Não existe o "morrer". Seria ilógico, irracional... que quando observamos que tudo à nossa volta se transforma e evolui, nós próprios fossemos a excepção e estivessemos condenados à aniquilação total.
Não.

Lembro-me de um dia imaginar um cenário ( como se fosse uma história ) em que um navegador, na ponta da europa, olha para o mar com angústia, tentando adivinhar como será o Novo Mundo. Ele não vê, vê simplesmente um mar intransponivel. Mas a existência do mar não nega a existência do Novo Mundo, pois não?

Quando muito, só reforça a ideia de que todos temos medo da viagem....


Tudo de bom para ti,
9 de julho de 2011

...Obrigada Rolando, obrigada amigo,
Vai com Deus.
Gislene.

3 bilhetes:

lis disse...

Tão triste Gislene mas o que ele deixou escrito já está gravado na nossa memória e coração.
"não existe o morrer" e sim uma outra dimensão onde o espírito vivificará plenamente. Creio assim.
um dia o econtraremos e o reconheceremos.
abraços amiga, de conforto .
Que a ausencia seja pra nos unir cada vez mais ao redor da fogueira e sentirmos assim aquecidos com seus contos e poemas.
um grande abraço

Unknown disse...

Gi, sinto muito pela perda de seu amigo, tão querido! Infelismente a violência o tirou do convívio de seus amigos, mas com certeza ele deixou no coração de cada um, um poema, um pensamento...uma saudade... boa noite, Nina

Aprendendo a falar de Amor disse...

violência e até quando seremos violentos?! será a ponto de perdemos a nossa morada Terra? iguais aos irmãos da Capela?! paz e luz ao irmão, que parte...

 
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